Acho incrível como todo o universo está conectado de alguma forma. Se dermos uma pausa na correria diária e pararmos para observar com plenitude podemos encontrar uma série de conexões. O deserto do Saara e a Amazônia, por exemplo, estão ligados por um fenômeno surpreendente. Todos os anos, mais de 182 mil toneladas de poeira deixam a África e atravessam o Oceano Atlântico até chegar à América. São pelo menos 5 mil quilômetros percorridos e a Floresta Amazônica depende deste pó para reabastecer suas reservas de nutrientes. Dois ecossistemas tão distantes, visceralmente conectados.
Mas onde quero chegar com esta reflexão? Ao observar esse fenômeno com tantas conexões fica ainda mais evidente o quanto a tecnologia pode nos ajudar a criar cada vez mais pontes para nos interligar com o mundo. A própria descoberta da poeira viajante só foi possível graças aos satélites super tecnológicos da Nasa. As Inteligências Artificiais estão ficando evoluídas à velocidade da luz e são animadoras as inovações que teremos para os próximos anos – máquinas extremamente inteligentes nos propiciando conexões jamais vistas. A aposta é de que esta área da ciência de dados e engenharia seja uma aliada do ser humano resolvendo problemas complexos de forma muito mais rápida e eficiente.
Os negócios na área de IA crescem em todo o planeta e a previsão dos especialistas é que superem a cifra de US$ 118,6 bilhões em 2025. Essa tecnologia, em especial, está nos permitindo construir e visualizar muitas conexões até então só idealizadas nos filmes de ficção científica, como “Eu, Robô”, “Matrix”, “O Protótipo”. Cientistas e programadores estão sendo desafiados durante décadas para chegar a um modelo em que humanos e máquinas possam conviver e, o mais importante, se compreender. Uma das IAs do momento que está nos holofotes globais e mais próxima dessa conexão é o GPT-3 (Generative Pre-Training Transformer), capaz de escrever textos como um humano.
Se você ainda não ouviu falar nesta IA precisa conhecer porque o seu nível de precisão e coerência textual é impressionante. Criado pela startup americana OpenAI, o GPT é considerado um modelo de linguagem autoregressivo, baseado em redes neurais, que usa aprendizagem profunda para produzir textos como se fosse um ser humano – a qualidade é tão alta que realmente fica difícil distinguir que foi uma máquina que escreveu. São milhares de conexões estabelecidas interligando os mais variados conteúdos e conhecimentos. Para se ter ideia dessa teia tecnológica tão bem arquitetada, o GPT-3 tem capacidade para 175 bilhões de parâmetros de aprendizado. A previsão é de que o GPT-4 conte com mais de 100 trilhões de parâmetros!
A tecnologia por trás desta IA torna possível escrever e-mails, textos, livros, petições jurídicas e até gerar receitas médicas. Em 2020, o GPT-3 escreveu para o Estadão uma resenha sobre o iPhone 11 Pro e se saiu muito bem. A ferramenta apresenta multifacetas podendo, inclusive, traduzir e revisar textos e se converter em chatbots poderosos, onde a máquina simula um ser humano na conversação com pessoas. A versão mais atual GPT-3.5 tem apresentado resultados surpreendentes com o seu chatbot, chamado de ChatGPT, gerando respostas coerentes sobre vários tópicos, como programação, marketing, culinária, saúde, entre outros.
Recentemente, o norte-americano Ammaar Reshi viralizou na mídia ao escrever, ilustrar e lançar seu próprio livro infantil em menos de 72 horas. Como ele conseguiu essa proeza? A partir dos seus comandos, o ChatGPT escreveu toda a história e as ilustrações ficaram por conta da IA Midjourney. Em algumas horas após o lançamento, mais de 840 publicações de “Alice and Sparkle” já tinham sido vendidas na Amazon. Exemplos como estes surpreendem e mostram que o GPT é deveras um escritor habilidoso e com muito potencial na geração de textos em poucos segundos. No entanto, ainda longe da perfeição e com aprimoramentos constantes necessários.
Apesar do alto índice de acertos, a ferramenta ainda apresenta falhas. Para testar mais de perto a sua precisão em respostas, acessei o ChatGPT e perguntei justamente sobre a conexão incrível entre o Saara e a Floresta Amazônica que falei no início deste artigo. “Como o deserto do Saara participa do regime de chuvas da Amazônia, a 5 mil km de distância?”, questionei. A IA desconhecia o fenômeno da nuvem de poeira e me disse equivocadamente que o Saara não tem uma conexão direta com o regime de chuvas na região da Amazônia, atribuindo as condições climáticas a situações como o El Niño.
As respostas já são consistentes na versão do GPT-3, porém naturalmente não todas, pois isso vai depender de todas conexões e parâmetros armazenados pela Inteligência Artificial. A rede neural ainda precisa ser treinada e os inputs “curados”, ou seja, falta alimentar a IA com o conteúdo correto e esse aprendizado será a base para que, no futuro, ela venha a aprender sozinha. Creio que nas versões 5 ou 6 isso já esteja bem evoluído. A ideia desse sistema não é subsistir o ser humano, mas trazer mais consistências e agilidade na projeção de cenários e na produção de textos até mesmo com uma vantagem competitiva para as empresas no relacionamento com os seus clientes.
Para finalizar, não poderia deixar de ressaltar que diante de toda nova tecnologia precisamos manter a atenção e o cuidado com os próximos passos para evitar que ultrapassemos os limites aceitáveis da ética e da moralidade. Assim como é magnífica e pode nos proporcionar uma série de conexões, a ferramenta da OpenAI se não for bem aplicada e pautada em diretrizes claras pode perpetuar preconceitos com base no conjunto de dados em que é treinada, além de espalhar informações incorretas. Ainda assim, todo o avanço até aqui é louvável e daqui para frente as IAs vão ter cada vez mais benefícios a oferecer à humanidade. A nuvem de “poeira” tecnológica tem se mostrado tão incrível quanto a que viaja milhares de quilômetros do Saara até a Amazônia.
Escrevi esse artigo inspirado na maravilhosa viagem ao Marrocos, onde tive a honra de conhecer este país maravilhoso junto com Hassan Aitali, Wilfredo Gomes e amigos especiais (pleonasmo, pois todos os amigos são especiais), onde passei o réveillon 2002/2023 e meu aniversário.
Obrigado pela leitura e até o próximo artigo!
Autor: Jaime de Paula – Phd em Inteligência Artificial